Espaço Semente oferece cursos para quem quiser construir os móveis de casa


Pedro Chagas, o primeiro à esquerda, e Caio Abi-Ramia, o primeiro à direita, em aula na Semente - Bia Guedes




RIO — Construir com as próprias mãos aquela mesa, cadeira, estante ou cômoda que faz falta em casa é mais fácil do que se imagina. Desde que os sócios Pedro Chagas e Caio Abi-Ramia inauguraram o espaço Semente, em São Cristóvão, há quatro meses, os adeptos do “Faça você mesmo” ganharam um espaço para desenvolver seus talentos. Designers de produto, os dois tiveram a ideia de oferecer um local para difundir a cultura do fazer através de cursos práticos e rápidos (o mais longo dura dois meses) e do próprio aluguel do lugar e do maquinário (em meia diária, diária, semanal ou mensal).

A proposta não é nova se levarmos em conta a crescente bandeira do “Do it yourself” (DIY) hasteada em blogs que, em grande parte, valem-se das inspirações divulgadas em pins no Pinterest, com contribuições de usuários do mundo todo. Mas nem por isso é menos revolucionária em uma cidade em que os preços de produtos e serviços são conhecidos por serem salgados.

Sem saber o nível de perícia requerido para a execução de uma peça e a quantidade de tempo que será gasto para a sua construção, o consumidor sente dificuldade de aferir qual o preço justo por ela e saber em que profissional confiar. Um quadro que muda a partir do momento em que este tipo de conhecimento passa a ser compartilhado.

— Nossa ideia é descentralizar a produção industrial através do empoderamento das pessoas. A partir do momento em que elas produzem seus próprios produtos, sentem-se mais confiantes e seguras, e contribuem para um modo de vida mais sustentável — conta Pedro Chagas.

Ele, que conheceu Abi-Ramia durante o tempo em que trabalharam em uma fábrica de móveis na Pavuna, teve uma passagem frustrada como sócio em um marcenaria na Tijuca. Em contato com o antigo colega de trabalho, fez a proposta que acabou por coincidir com a dispensa de Abi-Ramia do emprego em Niterói.

Convite aceito, a dupla decidiu levar a cabo a ideia da sustentabilidade já na abertura do espaço. Em contato com a empresa de serviços de recortes Artes e Ofícios, viram a possibilidade de o Semente sair do papel. A firma cedeu parte de seu espaço para o projeto, numa área que servia como depósito.

— Nós recebemos o caos e o abraçamos — conta Chagas. — Quando chegamos, era preciso refazer o forro do teto, a parte elétrica e a pintura. Foi quando começamos buscar orçamentos. O mais barato pedia R$ 8 mil só para pintar e fazer a iluminação. Como não tínhamos, resolvemos botar a mão na massa.

O capricho com o local é observado em cada detalhe, do quadro de ferramentas organizado até os primeiros ensinamentos aos alunos que, logo que chegam, são orientados a fabricarem uma caixinha com três tipos de madeira onde vão deixar guardados pertences, ferragens, avental e equipamentos de proteção individual. No primeiro exercício do curso “Projeto e construção”, de dois meses de duração, o mais longo do Semente, eles já são capazes de sentir a resistência de cada material — compensado, MDF, OSB, roxinho — e optar com qual (ou quais) deles vão trabalhar para montar o objeto que pretendem. A didática do curso é a mesma da Oficinalab, curso de marcenaria de São Paulo que também é um espaço de coworking.




MMM - Divulgação / Info press


— É incrível ver como, a partir da caixa, eles já conseguem ter uma maior autonomia. A gente orienta, dá dicas de como fazer o acabamento, como fixar a ferragem e, à medida que o curso segue, eles quase não pedem mais ajuda. Nós acompanhamos, mostramos outras formas de fazer, e acabamos ficando mais no suporte. Tem-se um preconceito com os trabalhos manuais, como se fossem menores ou muito difíceis, mas isso é besteira. Todo mundo que passa aqui relata que o curso funciona como uma terapia. Tem gente que se empolga tanto que acaba escolhendo um projeto grande, que não termina junto com o curso — explica Abi-Ramia.

Até o preço acaba sendo um dos diferenciais da experiência. Muitos dos cursos ensinam as técnicas a partir da construção de um molde pronto de um móvel, como uma poltrona, em valor compatível ao cobrado pelo objeto no mercado. É como comprar um móvel novo e ganhar de brinde os ensinamentos de como construí-lo.

QUASE UMA TERAPIA EM CONJUNTO

O administrador João Paulo Vieira e Fraga foi um dos primeiros alunos do curso “Projeto e construção”. Procurou o local para aprender a fazer um gaveteiro e uma colmeia de vinhos a partir de caixas de madeira de diversos rótulos. Saiu de lá com a certeza de que estes foram apenas os primeiros móveis que iria construir.

— Sempre fui adepto da filosofiamaker. Faço cerveja. Quando tive de reformar na minha casa, eu mesmo fiz o layout na base da pesquisa. Um dia, pesquisando móveis, pensei: “Por que também não fazê-los eu mesmo?”. Comecei a procurar informações para saber se era viável — disse ele, que acabou se inscrevendo no curso com a mulher, a também administradora Marina Altoé.

A empolgação com as aulas foi tamanha que ele já decidiu que vai fazer da casa do sogro, em Jacarepaguá, sua fábrica particular para os futuros projetos.

— Como lá é espaçoso, combinamos de comprar as máquinas e começar a produzir. Eu me descobri um apaixonado por trabalhar com madeira. Nas aulas, que iam das 9h às 18h, eu ficava inconformado quando chegava a hora de ir embora. Ficava lá, amarradaço, porque funcionava mesmo como uma terapia, um momento de esvaziar a cabeça dos problemas e do trabalho — conta o administrador.

A autossuficiência experimentada e elogiada pelo aluno é outro dos preceitos do Semente.

— Sempre preferimos ensinar a trabalhar com ferramentas manuais, objetos que a pessoa pode ter em casa, para que ela tenha essa flexibilidade — justifica Pedro Chagas, que revela que seu sonho é que o makerspace não se limite às atividades ligadas à marcenaria.

A permacultura é um dos próximos cursos que os sócios pretendem incluir na agenda do espaço. Para isso, no entanto, ainda dependem de uma autorização da prefeitura que viabilize a criação das hortas urbanas nos canteiros centrais da Avenida Pedro II.



ALGUNS CURSOS

Projeto e Construção - O projeto é livre dentro do volume cúbico de 150×75× 50cm. Não há uma sequência de ensinamentos igual para todos os alunos, e sim técnicas específicas para cada projeto, que podem ser mais ou menos complexas. As aulas são uma vez por semana, aos sábados, das 9h às 13h e das 14h às 18h. De 3 de setembro a 12 de novembro.

Mobilier puzzle - A série de cursos tem como base a utilização de chapas de compensado recortados que se transformam em projetos diversos. De 3 a 10 de setembro, das 14h às 19h.

Cadeira Malha - Aluno aprende a construir a cadeira dobrável de madeira que pode ser pendurada numa arara. De 20 a 22 de setembro, das 18h às 22h.

Poltrona Canvas - Neste curso, o aluno aprende técnicas básicas de marcenaria como cortes, montagem, fixação e acabamento com fórmica e seladora. De 4 a 6 de setembro, das 18h às 22h.

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