Tijuca tem poucas opções de vias para usuários de bicicletas
Ciclista divide espaço com ônibus e carros pelas ruas da Tijuca - Luiz Ackermann
Hoje, cidades do mundo todo celebram o Dia Mundial Sem Carro, data criada na França, em 1997, para estimular a reflexão sobre o uso excessivo do veículo. Como alternativa, existem os transportes públicos e as bicicletas. Mas alguns lugares não são convidativos a uma pedalada. Na região da Tijuca, poucas opções de ciclofaixas e a falta de ciclovia obrigam ciclistas a se arriscarem em meio aos carros e ônibus, sem falar dos que utilizam a calçada e colocam os pedestres em situação de risco.
Entre as principais vias do bairro da Tijuca, as ruas Conde de Bonfim, Uruguai e Haddock Lobo não têm nem ciclofaixas. Um projeto da prefeitura chamado de Ligação Cicloviária, que iria da Praça Saens Peña até a Praça Quinze, no Centro, não saiu do papel.
O documento foi elaborado pela Secretaria Estadual de Transportes (Setrans) e, em 2012, entregue à Secretaria municipal de Meio AmbienTAL) durante a 2ª edição do Bici Rio — Fórum Internacional da Mobilidade por Bicicleta. Com aproximadamente 7,5 quilômetros de extensão, a ciclovia iria integrar cinco estações de metrô até as barcas. O detalhamento do projeto foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na ocasião, a prefeitura informou que ele seria executado em 2013.
Quando o Rio completou 450 anos, em 2014, o órgão voltou a prometer que implantaria o plano. Já transformado em ligação cicloviária, com ciclofaixas e faixas compartilhadas, ficaria pronto no início de 2015, com um custo total de R$ 5,6 milhões.
TI- Rio de Janeiro (RJ) - 15/09/2016 - Tijuca Sem CarroNa foto: Foto: Luiz Ackermann
Hoje a região da Tijuca tem dez quilômetros de ciclofaixas: 3,5 quilômetros da Praça Saens Peña até o Maracanã, e 6,5 quilômetros da Rua Nossa Senhora de Lourdes, na altura do Shopping Boulevard Rio, até o Grajaú, contornando aproximadamente oito quarteirões do bairro.
Ciclistas e moradores da região, e membros de associações, como Jaime Miranda, presidente da Associação Comercial e Industrial da Tijuca (Acit), colaboraram com a elaboração do projeto que expandia a malha cicloviária. Ativista da causa da mobilidade urbana desde 2004, Miranda diz que o comércio seria beneficiado com a criação da ciclovia ou ciclofaixa.
— Os trabalhadores que fazem entregas usariam a via sem correr os riscos de hoje. Há também estudos que mostram que o comércio aumenta quando há ciclovia porque a pé ou de bicicleta as pessoas têm mais percepção do comércio de rua. Atualmente elas estacionam o carro e saem, não veem a loja onde pararam em frente — explica Miranda, que afirma não ter tido mais informações da SMAC sobre o projeto. — A última troca de e-mails foi no início do ano. Mas percebi que não tinha mais verba.
Miranda está certo. A SMAC informou, por meio de nota, que o projeto cicloviário “está pronto e detalhado, aguardando recursos financeiros para o início da obra”. A secretaria diz que atualmente o Rio tem 450 quilômetros de malha cicloviária, a maior da América Latina. Destaca ainda que o projeto “Rio, capital da bicicleta” faz parte do plano municipal estratégico para conter as mudanças climáticas, já que a bicicleta é um veículo de emissão zero de gases de efeito estufa.
Para os ciclistas, a viabilidade do uso da bicicleta envolve também uma necessidade para melhor mobilidade na cidade. Mas para isso é preciso educar motoristas e pedestres.
Depois da morte do dentista e triatleta Pedro Nicolay, atropelado por um ônibus em Ipanema, na Zona Sul, em abril de 2013, surgiu um movimento de ciclistas para debater a segurança dos usuários de bicicleta. A partir de então, foi criada a Comissão da Segurança no Ciclismo da Cidade do Rio de Janeiro (CSCRJ).
— Surgiu primeiro para obtermos lugares para praticar o esporte. Conseguimos que fosse criada a lei que regula o treinamento no Aterro do Flamengo e na Praia da Reserva, na Barra (as vias ficam fechadas ao trânsito das 4h às 5h30m, de terça a quinta, para ciclistas e triatletas). Mas com o tempo começamos a abraçar questões relativas ao lazer, ao turismo, à mobilidade e ao trabalho. De uns cinco anos para cá, houve uma explosão no uso da bicicleta — diz o ciclista Raphael Pazos, membro da comissão.
Para ele, há uma falta de informação geral sobre o uso da magrela, principalmente em relação às vias onde ela pode trafegar.
— Tem agentes públicos que me mandam ir para a calçada. Ando com o código de trânsito no bolso para mostrar que meu lugar é na rua — afirma Pazos.
O artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro, de 1997, prevê que nas vias urbanas e rurais a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, no mesmo sentido de circulação da rua, com preferência sobre os veículos motorizados.
Pazos defende que haja uma legislação específica para a utilização da bicicleta, já que os usuários enfrentam questões específicas:
— Infelizmente é um código de trânsito para carros. O ciclistas precisam dar uma volta no quarteirão para chegar a um ponto, da mesma forma que o carro. Não faz sentido. Paris e outras cidades já têm leis específicas para bicicletas, algo que ainda não temos.
Economia de tempo e dinheiro
Morador de Vila Isabel, o consultor ambiental Eduardo Bernhardt passa de bicicleta todos os dias pela Tijuca para ir e voltar do trabalho, em Botafogo. A rotina dura quatro anos, mas a magrela já é seu meio de transporte há 25.
— Comecei indo para a escola, em 1991, quando morava no Humaitá. De lá para cá melhorou muito. Naquela época não se podia colocar a bicicleta na rua. Gritavam, buzinavam. Tinha que andar na calçada. Hoje considero que é mais aceita. Tem muito a melhorar, mas já evoluiu bastante — diz Bernhardt.
O consultor demora 50 minutos entre a casa e o trabalho, tempo que vê como vantajoso em relação às outras opções que teria.
— Na ida, o trânsito é engarrafado. Sou mais rápido que o ônibus e mais lento que um automóvel. Mas, se eu fosse de carro, até arrumar uma vaga para estacionar, a conta empataria — explica.
Para fugir dos locais mais congestionados, o consultor procura ruas secundárias, que interligam vias importantes e bairros, como é comum na região da Tijuca. Porém, elas escondem um perigo para os ciclistas.
— São ruas pequenas, de dois quarteirões em média. Os carros usam como atalho e passam voando, livremente. No fim da tarde ou à noite, eu lanço mão de luzes porque geralmente essas vias têm menos iluminação — diz.
Para ele, o projeto de ligar a Saens Peña ao Centro poderia beneficiar os ciclistas da região.
— Ajudaria principalmente aqueles que não têm muita prática para lidar com o trânsito. Eu tenho, tomo cuidado e vou devagar para não chegar suado. Mas, mesmo na ciclovia, é preciso ir devagar. A conscientização tem que ser de todos. Ciclistas e pedestres fazem bobagem também — argumenta.
Pela suas contas, nos quatro anos que usa a bicicleta como meio de transporte, Bernhardt calcula ter pedalado 30 mil quilômetros. Acredita ter deixado de emitir oito toneladas de gás carbônico e, considerando os valores atuais da passagem de ônibus, imagina ter economizado cerca de R$ 30 mil.
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