Corte nas barcas de Charitas ameaça Transoceânica
Catamarãs do modelo antigo ao lado das embarcações chinesas próximos da estação da Praça Araribóia -Alexandre Cassiano / Alexandre Cassiano/19-10-2016
NITERÓI - Às vésperas da inauguração do túnel Charitas-Cafubá, prevista para dezembro, o governo do estado autorizou a concessionária CCR Barcas a cortar, a partir da próxima terça-feira, a operação hidroviária entre Charitas e a Praça Quinze no período do meio-dia às 16h — horário com menor demanda de passageiros — e a aumentar de 30 minutos para uma hora o intervalo entre as viagens da linha Praça Quinze-Praça Araribóia aos domingos e feriados. Além do prejuízo para uma parcela dos usuários — o governo fala em 1% —, a decisão, caso seja mantida, põe em xeque a eficácia do projeto da Transoceânica, que aposta na integração com as barcas de Charitas como o principal destino dos usuários do novo corredor viário.
Dentre as propostas consideradas de “suma importância” para o sucesso da Transoceânica, o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do projeto destaca a necessidade da redução do valor da tarifa e do aumento da frequência das barcas que ligam Charitas à Praça Quinze. O estudo é claro ao afirmar que, sem implementar essa e outras medidas, como corredores exclusivos para ônibus em Charitas e em Pendotiba, a Transoceânica apenas alterará o ponto de saturação das vias de circulação, pressionando assim outras localidades.
Gilberto Gonçalves, professor de transportes do curso de Engenharia Civil da UFF, entende que a disponibilidade de barcas ali é fundamental para atender à demanda do projeto. Ele, entretanto, acredita que a decisão do governo será revista.
— Sem uma integração com as barcas, aquele BRT não funciona. Todo mundo que pegar o ônibus na Região Oceânica vai desembarcar em Charitas, mas ali não é destino de ninguém. É um ponto de integração — explica Gilberto Gonçalves. — Imagino que isso pode ser visto como provisório. Pode ser que, sem o BRT, a CCR tenha razão em dizer que não há demanda. Mas isso certamente muda com o túnel e a operação do BRT.
Catamarã se aproxima da estação hidroviária de Charitas- Renan Almeida
O secretário estadual de Transportes, Rodrigo Vieira, afirma que a mudança atinge apenas 0,9% dos usuários. Além disso, ressalta o caráter experimental e temporário da medida e justifica que o corte na operação de Charitas trará economia de R$ 6,6 milhões por ano, o que tornará menor o reajuste na próxima revisão do valor de passagem.
— Tomamos a decisão analisando o fluxo de passageiros em Charitas nesses horários, que é da ordem de 40, 50 pessoas. É uma taxa de ocupação que causa um desequilíbrio financeiro, e temos que considerar que isso volta para a passagem. Não podíamos cruzar os braços para isso — justifica Rodrigo Vieira. — Se o projeto (da Transoceânica) trouxer mais passageiros, que justifique o retorno das partidas, a grade deverá ser alterada para contemplar a demanda maior.
DECISÃO ‘INACEITÁVEL’
A Procuradoria-Geral do município de Niterói entende que a medida desconsidera direitos dos consumidores e afronta diversas cláusulas do contrato de concessão. Para o prefeito Rodrigo Neves, a decisão é inaceitável. Ele afirmou que acionou o Ministério Público para questionar a mudança e marcou para semana que vem um encontro com o governador em exercício Francisco Dornelles para discutir o assunto.
— Evidentemente esperamos que essas ações e o diálogo com o governador revertam isso. Nosso objetivo é ampliar o horário de funcionamento com a integração da Transoceânica, bem como reduzir o movimento de ônibus intermunicipais que circulam por dentro de Niterói — explica Rodrigo Neves.— Aquela integração é fundamental para o pleno funcionamento da Transoceância e do túnel.
O deputado estadual Flávio Serafini, presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Transporte Hidroviário, também criticou a mudança. Ele convidou a Agetransp para discutir o assunto numa audiência realizada ontem à noite no Palácio Tiradentes, no Centro do Rio.
— É uma péssima medida, especialmente no momento em que Niterói se prepara para ter um aumento do fluxo de pessoas no bairro de Charitas, em decorrência da conclusão do túnel. Vai na contramão do que deveríamos fazer. Enfraquece o transporte hidroviário e fortalece o rodoviário — avalia Serafini.
Paralelamente, moradores de Niterói e da Ilha do Governador realizaram ato em frente à estação da Praça Quinze para protestar contra a redução. A OAB-Niterói também se posicionou contrária à medida.
Na última quarta-feira, acompanhamos a movimentação na estação de Charitas. No período entre 14h e 15h30m, a embarcação Apollo, com capacidade para 237 passageiros, fez duas saídas e outros dois desembarques vindos da Praça Quinze. Nessas viagens, a taxa de ocupação dos lugares do catamarã variou de 6,7% a 27,8%. Às 14h30m chegaram 54 pessoas (22,7%) e embarcaram 27 (10,5%), enquanto às 15h30m chegaram 66 (27,8%) e embarcaram 16 (6,7%) passageiros. No horário de pico da manhã, entre 7h30m e 8h30m, entretanto, a taxa superou os 85% em todas as viagens. Segundo o secretário estadual de Transportes, o movimento no terminal hidroviário de Charitas caiu de 11 mil pessoas por dia em 2015 para cerca de sete mil este ano. A linha seletiva custa R$ 15,40 ao usuário.
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