Área urbana de Niterói triplica de tamanho em 40 anos


10h00 - Conjunto Bento Pestana, no Baldeador: habitação de interesse social provoca polêmica - Analice Paron





NITERÓI - O crescimento da área de urbana de Niterói — a parte habitada da cidade — ocorreu em ritmo frenético nos últimos 40 anos. Nesse período, o espraiamento fez com o espaço urbanizado crescesse 310%, saltando de 14,2% em 1974 para 44% em 2014. Esse processo de expansão representou, em média, um avanço de 140 campos de futebol por ano sobre as áreas desocupadas da cidade. As informações fazem parte de um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para embasar a revisão do Plano Diretor, que chegou este mês à Câmara dos Vereadores. Segundo o secretário municipal de Urbanismo, Renato Barandier, para conter esse processo, a nova lei quer proteger as áreas naturais remanescentes e permitir o adensamento de locais com infraestrutura adequada, desestimulando a ocupação de áreas menos habitadas, localizadas em bairros periféricos, como Itaipu e Engenho do Mato.

De acordo com Barandier, essa expansão da área urbana tem características negativas para a cidade. O custo para a implantação e manutenção da infraestrutura em áreas menos densas — como Pendotiba e Região Oceânica — é nove vezes maior do que o de Icaraí. Além disso, ele afirma que há impactos importantes na preservação do meio ambiente e na mobilidade urbana.

— O Centro tem 50% dos empregos da cidade, mas só 4% da população. Isso significa que as pessoas precisam vir de longe, de meio motorizado, para trabalhar. Esse modo de ocupação fez as pessoas ficarem reféns do carro — avalia o secretário.

O estudo também mostra que o uso dos carros de passeio tem um efeito dramático sobre a mobilidade. Em média, apenas 24,3% das pessoas usam veículos particulares para ir diariamente até seus locais de trabalho ou estudo. No entanto, esse tipo de deslocamento ocupa 79% da capacidade viária da cidade nos períodos de rush, o que ocasiona os constantes engarrafamentos. Por outro lado, 46% da população andam de ônibus e ocupam apenas 19% das vias.

Segundo Barandier, isso é consequência direta de um modelo de ocupação causado pela expansão urbana da cidade, que levou parte da população a morar muito longe das áreas centrais. Por isso, ele defende o estímulo ao adensamento em regiões bem-servidas de transporte público e infraestrutura urbana.

— Temos que interromper o projeto de espraiamento urbano porque as cidades não podem continuar se expandindo enquanto as áreas urbanizadas não têm saneamento nem infraestrutura. É preciso direcionar o investimento público para qualificar as áreas que já existem hoje — defende o secretário.

O uso do carro varia bastante entre as regiões da cidade. Enquanto na área das Praias de Baía apenas 21,5% das pessoas andam de transporte individual, esse percentual sobe para 45,6% em Pendotiba e 52,3% na Zona Leste (Rio do Ouro e Várzea das Moças). Por outro lado, nas Praias de Baía, um terço das pessoas vai estudar ou trabalhar usando meios não motorizados (de bicicleta ou a pé). Na Zona Norte, somente 18,2% das pessoas se deslocam assim, e não há presença relevante de meios não motorizados na Zona Leste.

Candidata à vice-prefeita pelo PSOL nas últimas eleições, Regina Bienenstein, professora da UFF e coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu) da universidade, discorda da visão do município. Segundo ela, é preciso respeitar as características de ocupação de cada região, sem forçar o adensamento de áreas hoje pouco ocupadas.

— A cidade não deve ser uniforme. Há lugares que devem ser mais densos, como Icaraí e Santa Rosa, e outros que foram ocupados justamente por serem menos densos, como era o caso de Pendotiba até a aprovação do Plano Urbanístico Regional (PUR), no fim de 2015. Somos contra esse estímulo ao adensamento, porque acaba uniformizando áreas que não deveriam passar por esse processo — critica a especialista.

Ainda segundo Regina, há outros elementos que contribuem para o espraiamento da cidade e os gastos com infraestrutura, como o uso especulativo da terra. Para ela, combater esses processos colabora para reduzir a necessidade de investimentos públicos em obras.

— O que deve ser evitado é a aprovação de projetos que deixem interrupções na malha urbana. Manter esses terrenos sem ocupação e esperar as intervenções do poder público são, claramente, a estratégia usada pelos proprietários para valorizar a terra e angariar lucros. Esses vazios aumentam muito os custos da infraestrutura da cidade — diz.

Para Jorge Antônio Martins, professor da UFRJ e integrante do Laboratório de Participação Social em Política Urbana (Lab-PAR) da universidade, não existe garantia de que promover o adensamento de alguns pontos da cidade impedirá que o tecido urbano continue a ser expandido nos próximos anos.

— A prefeitura quer justificativas para promover a verticalização da cidade, mas verticalizar serve apenas para dar retorno financeiro às grandes construtoras. Não tem eficácia sobre áreas mais afastadas, já vendidas, cujos proprietários podem construir o que quiserem — avalia.

HABITAÇÃO POPULAR GERA DIVERGÊNCIA

Outro ponto de divergência entre município e especialistas se refere à política de habitação de interesse social. Com um déficit habitacional expressivo, acentuado pela tragédia do Morro do Bumba, em 2010, o Plano Diretor, em diversos momentos, garante que essas moradias devem ser construídas “priorizando as áreas de abrangência dos polos concentradores de emprego”. No entanto, a política habitacional no município hoje vai em sentido contrário: os conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida vêm sendo levados para a periferia da cidade, a bairros como Caramujo, Baldeador e Morro do Castro. Barandier, entretanto, nega que haja contradição.

— A demanda maior (por habitação de interesse social) é nessas áreas de maior vulnerabilidade social. As pessoas buscam sempre ficar perto de suas comunidades e não querem romper esses laços. Não tem Minha Casa, Minha Vida em áreas remotas, sem acesso ao transporte, por exemplo. A questão é qualificar o transporte, porque não são distâncias grandes. Só que as pessoas hoje perdem muito tempo nos engarrafamentos. A gente precisa priorizar o transporte público nessas regiões — explica o secretário, afirmando que uma futura lei de uso do solo definirá as áreas para a construção desse tipo de moradia.

Regina Bienenstein, no entanto, critica a falta de definições concretas sobre o assunto no Plano Diretor:

— Há duas formas de elaborar um Plano Diretor: tomando as decisões importantes ou postergando-as. Essa proposta enviada à Câmara posterga essas definições na questão da habitação. As diretrizes do projeto de lei (relacionada às habitações de interesse social) são excelentes, e vão no sentido do que nós sempre propusemos. Mas isso não basta, é preciso definir as áreas destinadas para esse fim. No PUR de Pendotiba também adiaram essa definição.

Na Câmara, o próximo passo, ainda sem data prevista, é a avaliação do Plano Diretor pelos vereadores. Só depois eles vão agendar audiências públicas para que o projeto possa ser discutido com a comunidade.

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