Estado gasta R$ 34 milhões com máquinas e canteiros de obras parados na estação da Gávea
07 de Mar 2017 | 22h00 - Um dos canteiros de obras da estação do metrô da Gávea, ao lado da PUC: trabalhos no local estão paralisado desde março de 2015 -Gabriel de Paiva
RIO - O barulho das detonações, do vaivém de veículos e dos operários trabalhando deu lugar a um silêncio profundo. Os canteiros de obras da estação de metrô da Gávea estão vazios há exatamente dois anos, mas o custo para mantê-los já chegou a R$ 34,2 milhões, segundo cálculos feitos pelo TCE com base no contrato de concessão da Linha 4. Desse total, R$ 29,2 milhões são referentes a gastos com a conservação do tatuzão, a supermáquina alemã usada para escavar túneis e feita sob medida para o solo carioca. Estacionado desde abril de 2016 em uma caverna sob a Rua Igarapava, no Alto Leblon, o equipamento, de 11,5 metros de altura, 123 de comprimento e 2,7 mil toneladas, consome R$ 2,9 milhões por mês.
— A máquina está protegida, Veja sofre tanto com a intempérie, o que ajuda a conservá-la. Mesmo assim, precisa de cuidados, de limpeza — explica Juan Manuel Altstadt, diretor da Herrenknecht, fabricante do tatuzão, que foi comprado por R$ 100 milhões pelo consórcio responsável pelas obras, o Rio Barra, formado por Odebrecht, Queiroz Galvão e Carioca Engenharia.
LINHA DO TEMPO: TATUZÃO NO RIO
Segundo Altstadt, alguns componentes do equipamento precisam funcionar periodicamente para não sofrer danos.
— É que nem carro antigo: se cuidar dele, funciona sem problema; se deixar de conferir tudo, é claro que não vai andar — comparou, acrescentando que uma visita diária é sempre necessária. — Alguns componentes precisam ser energizados ou colocados em marcha para que as partes mecânicas não fiquem apoiadas num ponto só durante muito tempo — explicou.
PAGAMENTOS SUSPEITOS
Os dois canteiros na Gávea custam R$ 222.968,57 por mês. Sem atividades desde março de 2015, já acumulam gastos de R$ 5 milhões. Os valores da manutenção, previstos em contrato assinado em 2011, são reajustados a cada ano. No entanto, os pagamentos do governo do estado ao consórcio foram suspensos pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no fim do ano passado, após o tribunal encontrar indícios de superfaturamento e sobrepreços que podem chegar a R$ 2,3 bilhões. Segundo o TCE, o processo se encontra na fase de defesa.
O primeiro canteiro foi instalado em janeiro de 2012 num antigo campo de futebol da PUC, perto da Travessa Madre Jacinta. Ali, foi construído um túnel de serviço, que hoje pode ser usado para se chegar ao tatuzão. Visitamos o local no mês passado e constatou que os portões estavam abertos, sem qualquer vigia na guarita, o que deixava o acesso livre para qualquer um. Um operário, que pediu para não ser identificado, contou que é preciso bombear água quase todos os dias para o túnel não ficar alagado.
O outro canteiro foi instalado em uma parte do terreno onde funcionava o estacionamento da universidade. Dois buracos enormes foram abertos: no local, começaram as escavações para dar forma à estação, que, de acordo com o projeto do estado, poderia receber até 19 mil passageiros por dia. Inicialmente, teria dois níveis, mas seu projeto foi modificado e passou a prever duas plataformas na mesma altura: uma para ser usada pela Linha 4 e a outra para futuras ligações metroviárias. A estação foi projetada para ser a mais profunda do Rio, ficando 55 metros abaixo do nível do solo — seria a primeira do sistema a ter acesso feito prioritariamente por elevadores.
Ao mesmo tempo em que escava, a máquina instala as aduelas, anilhas de concreto que formam os túneis
A perfuradeira tem
65 anéis de aço que giram à velocidade de quatro rotações por minuto removendo rocha e terra
Os fragmentos resultantes são removidos por uma esteira até a extremidade do equipamento, de onde caminhões levam o entulho para a superfície
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
O que já está pronto é um túnel subterrâneo que liga o bairro a São Conrado. E o que falta é o tatuzão terminar de escavar 1,2 quilômetro do Leblon à Gávea, além da conclusão da estação — somente 42% das escavações foram executados, de acordo com a Secretaria estadual de Transportes. A obra, que deveria ter sido inaugurada em dezembro de 2015, para os Jogos Olímpicos, teve seu prazo adiado para 30 janeiro de 2018. Mas, sem solução e com um cronograma de entrega cada vez mais apertado, corre o risco de não sair do papel.
Antes de ser eleito prefeito, Marcelo Crivella se comprometeu a “garantir junto ao estado que a estação do metrô da Gávea esteja em operação até o final de 2017”. A promessa consta de seu programa de governo, registrado no Tribunal Regional Eleitoral. Em janeiro, ele criou uma comissão, formada por representantes de cinco órgãos municipais, encarregada de apresentar, dentro de 90 dias, um estudo que indique formas de o município ajudar na conclusão das obras “no menor prazo possível”. No entanto, o vice-prefeito e secretário de Transportes da cidade, Fernando Mac Dowell, já jogou um balde de água fria: adiantou que a prefeitura não irá colaborar com recursos.
POSIÇÃO DO GOVERNO
O presidente da Associação de Moradores da Gávea, René Hasenclever, acha que a estação não vai sair do papel tão cedo:
— Queremos uma posição do governo, mas não somos atendidos. Há 20 anos que a gente sonha com essa estação.
Procurado , O secretário estadual de Transportes, Rodrigo Vieira, não quis dar entrevista. Em nota, a assessoria de imprensa da pasta disse apenas que o governo busca recursos — R$ 500 milhões — para concluir a estação. O órgão não esclareceu se esse valor poderá aumentar com o atraso na obra. O custo total da Linha 4 é de R$ 9,7 bilhões, quase o dobro dos R$ 5 bilhões estimados inicialmente. O consórcio Rio Barra também foi procurado e preferiu não se manifestar.
Presidente do Comitê Brasileiro de Túneis, o engenheiro Werner Bilfinger critica a falta de alternativas para dar continuidade à obra:
— Paralisar um serviço desse porte gera um custo de manutenção elevado. É uma pena ver uma obra inacabada que gasta tanto dinheiro.
Um operário que ainda trabalha nas obras da estação conta que vive dias de tristeza. Segundo ele, das quatro mil pessoas que realizavam serviços no local, restam apenas 30.
— Hoje estou aqui; amanhã, não sei. Ninguém pode garantir que o metrô chegará à Gávea — lamenta.
SOBROU ATÉ PLATAFORMA FANTASMA
Os cariocas já tinham visto obras do metrô serem interrompidas por falta de recursos. O caso mais emblemático ocorreu no final da década de 1980, durante a gestão do ex-governador Moreira Franco. Na época, um tatuzão — até então nunca usado no Rio — chegou a ser comprado para escavar túneis de um projeto de ampliação da Linha 2 que ligaria o bairro do Estácio à Praça Quinze, passando pela Praça Cruz Vermelha e pelo Largo da Carioca, no Centro.
As obras começaram em junho de 1988, mas, em fevereiro de 1989, já estavam paralisadas. Até hoje há uma plataforma fantasma na Estação Carioca. Ela fica a 15 metros das usadas hoje por passageiros e 40 metros abaixo da Avenida Chile. Seria construída para receber a nova ligação metroviária. As estações da Praça Quinze e da Praça Cruz Vermelha também nunca saíram do papel. Após desapropriações, canteiros de obras foram instalados em vários pontos da cidade. Com a suspensão dos trabalhos, restaram apenas buracos, que demoraram a ser fechados.
Engavetar o projeto dos anos 1980 exigiu que o estado investisse recursos na construção de suportes para evitar o desabamentos dos túneis e permitir a retirada de equipamentos.
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