Novo traçado da Transoceânica joga ciclistas para fora da pista


08 de Mar 2017 | 22h00 - Ao lado da mureta, a ciclovia unidirecional dentro do túnel Charitas-Cafubá é o único trecho segregado para os ciclistas - Analice Paron





NITERÓI — Sem cerimônia ou discussão com os maiores interessados, os moradores e ciclistas, a prefeitura bateu o martelo e deixou de lado — ou jogou para o lado — a tão anunciada ciclovia que integraria o corredor viário da Transoceânica. Em vez de construir uma via dedicada às bikes ao longo de toda a Estrada Francisco da Cruz Nunes, como projetado, o novo traçado desvia os ciclistas para ruas paralelas em dois trechos, onde deverão compartilhar a via com os automóveis.

No fim das contas, ciclovia mesmo — com espaço exclusivo — só dentro do túnel Charitas-Cafubá. Outros três trechos são dedicados a bicicletas, mas sobre calçadas largas (com postes no caminho): da saída do túnel até o restaurante Fogo de Chão; do DPO do Cafubá até o Hortifruti; e do restaurante Mania de Pastel ao Corpo de Bombeiros de Itaipu. O restante do caminho pode ser chamado de ciclo-rota, uma vez que em diversos trechos os ciclistas vão dividir espaço com carros ou pedestres.

A escolha da nova rota esbarra, ainda, em agravantes, como a necessidade de desapropriações para tornar possível o traçado, que corta os condomínios Ubá III e Recanto Delfina de Jesus e pelo menos outros dois terrenos particulares.











— Este é o traçado que vai acontecer. A caixa (da Francisco da Cruz Nunes) nesse trecho é mais estreita que no restante. Abrigar a ciclovia ali seria mais complicado, então a opção de ir pela rua de dentro é muito mais viável e confortável para os ciclistas — diz o secretário executivo, Axel Grael, que minimiza as dificuldades no novo caminho. — Quantas desapropriações foram feitas ao longo da Transoceânica? A ciclovia é parte integrante do projeto e a prefeitura pode optar por essa opção de desapropriar.

COLETIVO CRITICA ALTERAÇÃO

Ana Luiza Carboni, do coletivo Mobilidade Niterói, diz que abrir mão de construir uma ciclovia apropriada pode fazer com que menos pessoas sintam-se confortáveis em substituir o automóvel pela bicicleta na região.





O trecho da Transoceânica entre o Supermercado Diamante e a rótula da Avenida Central não terá mais ciclovia ao longo do corredor viário: bicicletas serão orientadas a desviar para rua paralela, compartilhada com carros - Analice Paron






— Existe uma falha muito grande ao não pensar fora da caixa e efetivamente criar uma opção de transporte que seja atraente. É um absurdo fazerem mudanças como essa sem um estudo, uma pesquisa. A bicicleta é muito utilizada na Região Oceânica, e o ciclista busca sempre o caminho mais curto — diz Ana Luiza.

A rota cicloviária inclui três trechos compartilhados com automóveis: em ruas paralelas ao corredor e na reta entre o DPO do Cafubá e a rótula do bairro. Curiosamente, este último é o pedaço mais estreito da Transoceânica, com apenas uma faixa para automóveis entre o corredor e a estreita calçada. Quem costuma usar a bike por ali, como o estudante Caio Fernandes, já prevê dificuldades.

— Não passam um carro e uma pessoa de bicicleta. Com certeza vai gerar conflito, ou com os carros ou com os pedestres, se a gente subir a calçada — prevê.

Já o novo traçado proposto por ruas paralelas ocorre entre o Itaipu Multicenter e a rótula da Avenida Central. De acordo com a Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa), esse trecho será mais largo do que os outros — em vez de duas faixas para veículos, serão três pistas para carro em cada sentido, além do corredor de BHS. A via seguiria da Rua Manoel Pacheco de Carvalho para a Rua Delfina de Jesus. Entre essas duas, contudo, existe a primeira casa no caminho. Mais à frente, a Delfina de Jesus termina no condomínio que leva o nome da rua, e este, por sua vez, termina no Ubá III. O trajeto proposto aos ciclistas cortaria esses dois condomínios até retornar para a estrada principal, na altura da creche Me Ninar.

O caminho para as bikes volta a se afastar do corredor viário na altura do supermercado Diamante, onde a orientação é dividir espaço com os carros da Rua Alice Picanço até a Rua Jefferson Rocha — ambas de terra atualmente. Entre as duas vias passa o Rio João Mendes — que ganhará uma ponte para as bicicletas.

A prefeitura garante que toda a infraestrutura cicloviária estará concluída junto com o corredor viário da Transoceânica, previsto para o fim deste ano. Isso inclui a pavimentação e a sinalização das vias por onde a ciclo-rota passar.

DESAPROPRIAÇÕES DE IMÓVEIS SÃO UM OBSTÁCULO

Uma visita às obras da Transoceânica, no trecho próximo ao acesso ao túnel Charitas-Cafubá, revela que será difícil cumprir a promessa de abrir as galerias ao tráfego ainda este mês. A única parte concluída num longo trecho são as duas pistas de concreto dedicadas aos ônibus BHS. Ainda restam pelo caminho: desapropriações, drenagem, pavimentação, calçadas, ciclovias, entre outras medidas.

O diretor da Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa), Lincoln Silveira, admite dificuldades no acesso, mas confia no cumprimento do prazo.

— Estamos trabalhando para isso (concluir em março) — disse Silveira. — Este e o trecho 7 (Buzin à Avenida Central) são os dois com mais dificuldades. Aqui eram 50 desapropriações no caminho. Fizemos 47, restam três, que estão na Justiça.

Já foram feitas cerca de 150 desapropriações na rota da Transoceânica, que consumiram R$ 17 milhões. Ainda existem cerca de 40 imóveis no caminho da obra, segundo a Emusa. A maior parte está situada no trecho entre a Avenida Central e o Shopping Itaipu Multicenter.

Na quarta-feira retrasada, em visita à obra , Silveira falava com confiança que “90% das negociações são amigáveis, porque a prefeitura está pagando bem”. Enquanto ele apontava para um imóvel que precisará ser parcialmente derrubado (o antigo restaurante Rigoletto), o dono da propriedade apareceu e questionou, irritado:

— E quando é que eu vou ser avisado que vocês vão invadir a minha propriedade?

Diante da saia-justa, o diretor da Emusa disse que o proprietário será avisado “na hora certa”. O rapaz criticou os valores normalmente pagos pela prefeitura e disse que possivelmente ele iria brigar na Justiça.

— Não posso aparecer por aqui. Sempre dá briga — admitiu Silveira, ao retornar para o carro.Desapropriações de imóveis são um obstáculo.

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