Rompimento de barreira acelera processo de esvaziamento da Lagoa de Piratininga

NITERÓI - Sentado numa cadeira diante da ponte que leva à Ilhota, na Lagoa de Piratininga, e sob a qual quase não passa mais água, o saudoso pescador Luís Carlos Soares, que já aposentou a tarrafa, lamenta o cenário que vê:

— Tem 30 anos que moro aqui, nunca vi a lagoa seca assim. A gente acordava cedo e pegava um monte de peixe aqui. Acabou tudo.

O rompimento, há algumas semanas, de uma das comportas responsáveis por impedir a saída de água da lagoa para o mar — através do túnel do Tibau — tem conduzido o sistema lagunar a um processo de esvaziamento nunca antes experimentado. O processo de ressecamento ali está acelerado porque o volume de água que entra e sai da lagoa, controlado através de seis comportas, está prejudicado pela falta de uma das barreiras. Como esta totalmente aberta, sai mais água do que entra porque, explica o professor do Departamento de Análise Geoambiental da UFF Júlio Cesar Wasserman, a Lagoa de Piratininga está num nível acima do que o do oceano. Num cenário de abertura pedenente com o mar, Wasserman calcula que aquele sistema poderia perder até 3/4 de seu tamanho.

— Com essa troca contínua, há efetivamente um processo de esvaziamento. Na maré baixa, a água corre e esvazia a lagoa, só não esvazia mais porque o diâmetro do canal não é suficiente para esvaziá-la totalmente durante as seis horas de vazante — explica Wasserman, que alerta: — Essa comporta tem que ser recolocada rapidamente, senão a lagoa vai diminuir, vai ficar rasinha. E uma vez que aflore o fundo, o pessoal pode começar a questionar a delimitação (do que é área não edificante). Ia alegrar muito a especulação imobiliária.






Rio ou lagoa? Um estreito caminho de água é o que resta da lagoa que costumava







A estrutura funciona da seguinte maneira: quando a maré enche, a força da água empurra a comporta, que se abre. Quando esvazia, a própria corrente fecha as barreiras e diminui substancialmente o volume de água que deixa a lagoa. As trocas de maré ocorrem todos os dias, a cada seis horas.

SEM MANUTENÇÃO

O que se vê hoje são longos trechos de lagoa, que costumavam ser cobertos pela água, transformados em tapetes de sal e lodo ressecado, onde pássaros buscam alimentos nas poças que restaram. A situação não chegaria à degradação atual se a estrutura tivesse um mínimo de manutenção, sustenta o presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Imbuí (Amji), Renan Lacerda.

— Há anos essa estrutura apresenta problemas. Nós fazemos requerimentos ao Inea (Instituto Estadual do Ambiente), e não tem manutenção alguma. É um absurdo chegar ao ponto que chegou, porque já está provocando um desequilíbrio. É o descaso total com a obra pública e com a região — critica Lacerda, que provoca: — Se fosse na Lagoa Rodrigo de Freitas, isso com certeza não aconteceria.

Tanto a prefeitura de Niterói quanto o Inea reconheceram o problema. Representantes dos dois órgãos informaram que estiveram no local na última quinta-feira para traçar uma ação emergencial e frear o esvaziamento. Na ocasião, prometeram botar uma tampa provisória na comporta danificada. O serviço estava previsto para ontem.




Sumidouro. O buraco aberto no centro da foto é onde está sem comporta




A manutenção da estrutura, cuja construção foi concluída em 2008 pelo governo do Estado, deveria ser feita pelo Inea. Basta um simples olhar para concluir que isso não ocorre: toda as comportas e estruturas metálicas apresentam avarias, cracas e ferrugem. Diante do abandono, o gestor municipal do sistema lagunar da Região Oceânica, Luciano Paez, diz que a prefeitura assumirá a manutenção do equipamento.

— Esse sistema ficava a cargo do governo do Estado, que não consegue atender às demandas diárias. Essa estrutura precisa de manutenção, que não estava sendo feita e, por isso, caiu. Daqui para frente o plano é fazermos uma manutenção periódica dessas comportas — promete Paez.

A diretoria de Recuperação Ambiental (Diram) do Inea ficou encarregada de entregar um estudo para a recuperação da comporta. A partir dele, o município executará as obras.

— A tampa provisória vai controlar a saída de água, mas, como existem outras portas, não prejudicará a entrada. E dentro de 30 dias entregaremos o estudo para a obra definitiva — informou o superintendente de Baía de Guanabara do Inea, Paulo Cunha.

OBRA ATRAPALHADA






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O secretário executivo de Niterói, Axel Grael, informou que aguarda o relatório do Inea para que a prefeitura assuma as obras e a gestão da lagoa. Ele acrescenta, ainda, que outras duas providências serão tomadas para melhorar a troca de água e a saúde do sistema lagunar:

— Outra coisa importante é aumentar a parede do dique, para elevar um pouco o nível da lagoa. O Inea ficou de indicar o quanto deve subir. A terceira medida é uma dragagem.

Apesar do cenário, o trecho junto à comporta ainda é muito utilizado por pescadores na entrada da maré. Quem mora na outra extremidade da lagoa, contudo, não vê qualquer proveito com a obra.

— Depois do túnel (do Tibau), isso passou a secar. Nunca vi do jeito como está hoje. Também nunca vi fazerem qualquer limpeza aqui — lamenta Leonor Pereira, que mora às margens da lagoa.

A obra do túnel que liga a Lagoa de Piratininga ao mar começou em 2004 e só foi concluída em 2008 — com três anos de atraso, a um custo 450% maior do que o previsto e com uma série de trapalhadas durante a execução. A obra inicial teve que ser interrompida por erro de cálculo: em princípio, o túnel teria 600 metros de extensão e custaria R$ 2 milhões. Após nova licitação, a galeria aumentou para os atuais 988 metros, e o valor subiu para R$ 8,5 milhões, depois elevados para R$ 11 milhões.

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