Magistrados do Tribunal Regional do Trabalho farão ‘trabalhos pesados’ em curso

Sufoco. Motorista e trocador de ônibus enfrentam calor e ruas esburacadas - Antonio Scorza


RIO — Acostumados a usar toga e ao tratamento de meritíssimo, no mês de agosto, onze juízes do Tribunal Regional do Trabalho do Rio vão deixar de lado a liturgia do cargo para viver, pelo menos por um dia, a experiência de executar tarefas normalmente desempenhadas por quem tem menos escolaridade, menor renda e pouco prestígio.



 A Escola Judicial do TRT abriu inscrições para o curso “Vivendo o trabalho subalterno”, em que os doutores, de forma anônima, assumirão a função de jardineiros, copeiros, auxiliares de limpeza, cobradores de ônibus e operadores de caixa de supermercado. 



A iniciativa inusitada provocou discussões, e o nome escolhido não caiu muito bem. Para o antropólogo Paulo Storani, o projeto é até interessante, mas foi infeliz quem o batizou: —Trabalho é trabalho, pode ser até alternativo, não subalterno. 


 Mas o edital do TRT diz que o objetivo da vivência é nobre: “suscitar nos magistrados a experiência de uma pesquisa etnográfica, em que passarão o dia atuando como trabalhadores subordinados.” 


O trabalho de campo, explica o edital, é uma das quatro tarefas de um projeto pedagógico que visa a melhorar a capacidade do magistrado de ouvir e se colocar no lugar do outro.


 A ideia é que eles sintam na pele a realidade desses trabalhadores. A ideia, que será aplicada pela primeira vez, vinha sendo amadurecida há dois anos. Surgiu logo depois de os magistrados terem aulas com o psicólogo Fernando Braga, autor do livro “Homens invisíveis, relatos de uma humilhação social”, em que relata sua experiência no período em que trabalhou como gari.


 Braga coordena o projeto. Como parte do exercício, o juiz terá que se submeter às mesmas ordens e condições de trabalho de seus “colegas” e usar uniformes e os equipamentos que serão fornecidos pelas empresas parceiras.



 Ninguém poderá revelar sua identidade, nem mesmo para os clientes. As experiências serão relatadas em um diário, que será submetido a um especialista. Uma empresa de ônibus, outra de limpeza e conservação e uma rede de supermercado vão participar oferecendo as vagas de trabalho.


 Antes de pegar no batente, os candidatos receberão treinamento.  Se for escalado para o cargo de cobrador em algum ônibus das zonas Norte ou Oeste ou da Baixada, o juiz terá muito o que contar — e pensar — sobre as condições de trabalho da categoria, que, segundo os próprios rodoviários, está em vias de extinção. 


Nesta segunda-feira, embarcamos num ônibus que faz ligação entre São João de Meriti e Duque de Caxias (o 110), na Baixada Fluminense. Sem ar-condicionado, o veículo atravessa favelas e ruas esburacadas e sem saneamento.


 Numa das ruas de São João de Meriti, o ônibus teve que dividir a via com dois cavalos que pastavam livremente. Além disso, os congestionamentos dão nos nervos de rodoviários e passageiros.


 — Na maioria dos ônibus, o próprio motorista é o cobrador. Dei sorte, ainda tenho meu emprego. Vivemos o estresse do dia a dia nas ruas e o medo de perder o emprego — reclamou um cobrador, de 60 anos, que prefere não se identificar. 


Quem passar um dia como operador de caixa de supermercado também vai encarar uma jornada dura. X., de 35 anos, diz ser o para-raios de “todos os problemas que acontecem com clientes no mercado”. E, com a crise, tudo piorou.



 — Eles se aborrecem com alguma coisa ou com preço errado e, na saída, descontam na gente. Aguentamos muita grosseria. 


O segredo é fingir que não está notando e não responder — ensina ela, que sustenta mãe, marido desempregado e dois filhos com pouco mais de um salário-mínimo. — É um trabalho muito cansativo. Só fica quem não tem opção.

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