Motoristas de ônibus infratores ficam livres de punição no Rio
 Ônibus fura o sinal vermelho na Avenida Presidente Vargas - Fernando Lemos
RIO - Basta um rápido passeio por ruas do Rio para constatar que as bandalhas dos ônibus não têm hora nem lugar para ocorrer. No último dia 14, em apenas cinco minutos, dois coletivos atravessaram o sinal vermelho, em meio ao vaivém de veículos na Avenida Presidente Vargas, no Centro.
Eles passaram impunes, já que, naquele ponto, não existe equipamento eletrônico nem havia um guarda municipal ou agente de trânsito que pudesse multá-los. Mesmo se fossem autuados, as penalidades poderiam não resultar em punição aos condutores, como mostra um levantamento inédito feito pelo a partir de dados do Detran.
Os números revelam que, em média, a cada cinco minutos, um coletivo é multado no estado. Nos primeiros cinco meses deste ano, foram aplicadas 46.460 multas a ônibus, incluindo os de transporte público e aqueles que fazem serviços privados para, por exemplo, agências de turismo, escolas e condomínios.
Mas, em 76% dos casos, as empresas insistem em não informar quem foi o motorista que cometeu a infração, contribuindo ainda mais para a impunidade no trânsito. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ao não informar o nome do condutor, as empresas são obrigadas a pagar não só a infração cometida como uma segunda multa, de mesmo valor da que foi aplicada.
E, em caso de reincidência nos últimos doze meses, o valor é multiplicado por cada nova   Esse tipo de multa (não identificação do condutor infrator, imposta à pessoa jurídica) começou a ser aplicado pela prefeitura em 2011 e lidera o ranking das penalidades mais cometidas por ônibus este ano: com 15,6 mil multas, o equivalente a 34% do total.
Em seguida no ranking das bandalhas estão o excesso de velocidade (32% da multas), transitar fora das faixas exclusivas (9%), como as dos corredores de BRS, e o avanço de sinal (9%).
CAPITAL: 17 DE 20 EMPRESAS MULTADAS
No topo da lista de empesas multadas, está a Viação Verdun, do consórcio Internorte, detentora de apenas quatro linhas (238, 239, 247 e 455), que fazem a ligação da Zona Norte ao Centro e à Zona Sul. A empresa recebeu 9.757 multas, ou 19 infrações, em média por dia.
No entanto, só informou os motoristas infratores de 16 penalidades registradas (0,16% do total). Em segundo lugar, está a Transurb, fruto de uma cisão com a Verdun em 1996. A empresa, com seis linhas, também do consórcio Internorte, recebeu 7.902 multas. Informou o real infrator em 3.102 ocasiões (39,26% do total).
Já a São Silvestre, do consórcio Intersul, com nove linhas que trafegam pela Zona Sul, ficou na terceira posição, com 7.259 multas. Em apenas dez delas (0,14% do total), o infrator foi identificado.
 Há 17 anos no volante, sob condições insalubres e estressantes, um motorista da campeã de multas, a Viação Verdun, revelou que as empresas descontam dos condutores infratores os valores de cada penalidade, mas preferem não informar aos órgãos autuadores para ficarem sem os profissionais, que seriam penalizados com a perda de pontos na carteira de habilitação.
Quando chegam a 20 pontos em um período de 12 meses, os motoristas não podem mais dirigir e precisam fazer um curso de reciclagem. — Levei mais de dez multas e não consta nada na minha habilitação, mas eles descontam no pagamento — revelou o funcionário. — Quando entrei, não passei por nenhum treinamento.
Às vezes, nem cometemos as infrações e somos obrigados a pagar, sem possibilidade de recorrer. Nos dão um papel inventado por eles próprios, não é nem do Detran. 
Há mais de um mês, solicitamos à Secretaria municipal de Transportes um levantamento sobre as multas de trânsito aplicadas a ônibus da cidade, mas não obteve respostas.
A assessoria da pasta alegou que tais informações dependem da Empresa municipal de Informática e Planejamento (IplanRio). No entanto, os dados do Detran mostram que, das 20 empresas que mais multadas do ano passado até maio deste ano, 17 atuam na capital. As outras três são de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
As 20 companhias são, juntas, são responsáveis por 63% das multas cometidas por coletivos nesse período. Além do número de infrações, o levantamento revela ainda a inadimplência das empresas de ônibus com os órgãos autuadores. De 2007 até o ano passado, acumulam uma dívida que chega a R$ 8 milhões.
Nos cinco primeiros meses deste ano, em meio à crise do setor, ainda não pagaram R$ 3 milhões das penalidades (44% do valor total).  Especialista em transportes e professor da Coppe-UFRJ, o engenheiro Rômulo Orrico afirma que os motoristas são apenas a ponta de um sistema de tráfego ineficiente.
Segundo ele, a prefeitura é quem deveria ser mais rigorosa e aprimorar seu modelo de monitoramento: — Há a necessidade de aprofundar essas informações, jogar geograficamente para saber onde ocorrem, apurar quem são as empresas. Essa é uma tarefa que a prefeitura deveria adotar para melhorar a vida das pessoas, na maioria pobres.
Os consórcios Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz, que operam na capital, admitiram, em nota, que há obstáculos para transferir aos motoristas a multa aplicada, “seja pela resistência do profissional de reconhecer a infração ou pelo tempo decorrido entre a infração cometida e a comunicação da multa, uma vez que, em muitos casos, o profissional já foi desligado, dificultando o registro do real infrator”.
Segundo o Rio Ônibus, sindicato dos empresários de ônibus, cada empresa mantém programas de capacitação de profissionais. Já a Secretaria municipal de Transportes disse que pretende dar continuidade ao programa de treinamento e reciclagem dos motoristas, previsto como uma obrigação dos consórcios pelo contrato de concessão das linhas, celebrado em 2010, a fim de reduzir o número de infrações.
CONSÓRCIOS ALEGAM DIFICULDADES
Veja a resposta dos consórcios na íntegra: "Os consórcios Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz informam que o número de multas registrado pelo Detran não é o desejado, mas que, apesar das dificuldades financeiras, estão sendo feitos investimentos contínuos em treinamento de motoristas, em ações para melhorar a fiscalização e em infraestrutura de transportes para tornar o trânsito mais seguro e melhorar a qualidade do serviço prestado à população do Rio.
É importante ressaltar que os ônibus operam em condições especiais, com cada veículo percorrendo aproximadamente 7 mil quilômetros por mês. O serviço é feito de forma ininterrupta ao longo do dia, com pelo menos dois turnos de motoristas para cada veículo.
Neste cenário, aumenta a possibilidade de infrações de trânsito, apesar do controle feito pelos consórcios. Vale lembrar ainda que, por mês, são realizadas mais de 1,5 milhão de viagens de ônibus em toda a cidade. Cada empresa mantém também programas próprios de capacitação de seus profissionais, ressaltando a importância de respeitar a legislação de trânsito vigente.
Os investimentos em treinamento - além do que é obrigatório pela Resolução 168 do Contran - já resultaram em mais de 210 mil participações de rodoviários em ações educacionais, entre 2008 e 2016. O programa Rodoviário Cidadão formou, por exemplo, 21 mil motoristas em 10 anos, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
Aliados ao treinamento, as empresas mantêm mecanismos tecnológicos de controle e fiscalização no interior dos ônibus, como GPS, tacógrafo, câmeras (presentes em todos os veículos) e sistemas detectores de manobras arriscadas, como o "Drive-Master".
Em relação ao real infrator, os consórcios orientam as empresas a colaborar com a fiscalização e a gestão do transporte no município, realizando o processo de identificação dos reais infratores, de acordo com a legislação vigente. É preciso reforçar que a frota que opera o sistema de linhas regulares do Rio de Janeiro representa 22% dos ônibus emplacados na capital e 9,3% dos ônibus existentes no Estado, conforme os dados do Detran.
As empresas também esclarecem a dificuldade de transferir para os motoristas a multa aplicada, seja pela resistência do próprio profissional de reconhecer a infração ou pelo tempo decorrido entre a infração cometida e a comunicação da multa, já que em muitos casos o profissional já foi desligado de suas funções, dificultando o registro do real infrator.
Para as empresas, é importante identificar o real infrator, para evitar a aplicação de uma nova multa de igual valor, que é emitida em nome da própria empresa".