Alagamentos, falhas na drenagem, esgoto e praia imprópria: os trantornos de São Conrado

Trechos da galeria de cintura cederam próximo à ciclovia - Guilherme Pinto



RIO - Rodeado por montanhas e vizinho da maior favela do país, São Conrado nunca foi um caso simples em questão de drenagem e escoamento de água.



 Ao longo dos anos, diversos projetos foram realizados para amenizar os problemas. Mas a situação atual parece indicar que ainda há muito a ser feito. Na ponta esquerda da Praia do Pepino, moradores convivem com grandes alagamentos há três semanas, desde o grande temporal que assolou a cidade, resultado da obstrução de trechos da galeria de cintura de águas pluviais.



Do outro lado, o problema é a deficiência no tratamento de esgoto. Enquanto a Cedae garante que o tratamento no bairro é satisfatório, a associação de moradores aponta a praia suja e diz que a estrutura da concessionária é insuficiente para o trabalho.



 Desde a tempestade de 14 de fevereiro, ruas da região do Pepino, como Julieta Niemeyer e Martagão Gesteira, e a parte baixa da Estrada do Joá sofrem com alagamentos de até um metro e meio de altura.



Não raros foram os relatos de água entrando dentro de casas e prédios. A ocorrência, atípica, logo fez surgir entre os moradores a suspeita de que havia problemas estruturais.



 — A situação aqui na rua está precária, com qualquer chuva um pouco mais forte há alagamento — afirma a jornalista Fernanda Guaraná, cujo apartamento, na Rua Julieta Niemeyer, ficou inundado. — Isso não acontecia antes. 



 A explicação estaria nos danos causados pela chuva forte à galeria de cintura de águas pluviais do bairro, construída em 2016. Com o temporal, alguns trechos da estrutura, ao longo da Avenida Prefeito Mendes de Moraes, cederam.



A galeria termina ao lado do trecho da Ciclovia Tim Maia que caiu no mês passado. A erosão do terreno seria o motivo para ambos os acidentes, segundo especialistas.  Alagamento.

A casa de Fernanda Guaraná alagou no dia da chuva - Fernanda Guaraná





Nos últimos meses, o instrutor de asa-delta Luiz Ireno viu “de camarote” o surgimento de buracos ao longo da orla, no trecho ao redor da galeria. — Toda essa parte está caindo. A cada dia os buracos aumentam, já são mais de oito.



 Eles construíram a galeria numa área de terra fofa, que inundou. Agora, a prefeitura está trabalhando para tirar a água, mas só tomam medidas paliativas, como tampar os buracos.



 Essa obra vai ter que ser refeita — opina.  A arquiteta Vera Cardim mora em São Conrado desde 1979. Quatro anos depois de se mudar, houve um grande temporal que a impediu de chegar em casa, pois as ruas estavam alagadas.


Foi quando decidiu liderar uma campanha para que fosse implantado um projeto de drenagem e substituídas as antigas tubulações do bairro, que não davam mais conta do seu crescimento.



 — Em 1988, caiu outro temporal e funcionários da prefeitura tiveram que vir até aqui de barco — lembra Vera, que trabalhava para o município e enviou o projeto para a Secretaria de Obras. — A Associação de Moradores de São Conrado (Amasco) pressionou, e o serviço foi concluído em 1992.



 Com uma nova galeria de água pluvial, diz Vera, o problema foi resolvido. Não houve outras grandes intervenções até 2016, quando foi implantada uma outra grande galeria com o objetivo de acabar com as línguas-negras na praia.



A nova rede juntou o Rio Canoas e as galerias das ruas Julieta Niemeyer e Martagão Esteira no mesmo sistema de escoamento, com saída nas rochas sobre a areia, no início da ciclovia.



 De fevereiro para cá, com os alagamentos, a água já chegou à altura de 40 centímetros na casa de Vera. — Um dia vi funcionários da prefeitura trabalhando aqui e um deles me confirmou que a galeria estava com problemas, sem dar detalhes.



 O cano de escoamento cedeu, junto com a queda da ciclovia. A água está saindo entre as pedras; então, o escoamento não é livre. E isso causa o retorno da água e o alagamento das ruas desta área — acredita ela, que discorda do projeto da galeria de cintura.



 — O volume do rio aumenta muito com as chuvas, e a tubulação não suporta. Antes, o rio desembocava livremente na areia.  Rede obstruída.


 Na Rua Iposeira, parte da calçada foi destruída - Guilherme Pinto




 Outro ponto que sofreu com a obstrução da galeria de água pluvial foi a Rua Iposeira, onde parte da calçada está destruída. Para Roberto Saboya, ex-diretor da Associação de Moradores do Bairro do Pepino e residente na Rua Álvaro Niemeyer, o problema passa pela falta de limpeza das ruas: — A Comlurb não varre as ruas daqui.




Por isso a rede ficou obstruída, e, depois da tempestade, a galeria se rompeu. Agora está tudo escoando pela Estrada do Joá, onde não há ralos suficientes.


 A Comlurb diz que os serviços de limpeza têm sido realizados regularmente no Pepino e na Rua Iposeira. A Fundação Rio-Águas, por sua vez, informa que trabalha na galeria de cintura da Avenida Prefeito Mendes de Morais e na Rua Iposeira, onde um deslizamento de rochas obstruiu uma galeria de águas pluviais.



O órgão esclarece que são problemas distintos, causados pelo excesso de chuva na região. Quanto às ruas Julieta Niemeyer e Martagão Gesteira e a parte baixa da Estrada do Joá, a Rio-Águas diz que enviará uma equipe técnica ao local.




 Mesmo com progama Sena Limpa, praia continua poluída



 A deficiência no tratamento do esgoto é outro grave problema do bairro. Em 2012, foi concebido o programa Sena Limpa, com intervenções feitas em conjunto por estado e município, visando à despoluição das praias da cidade.



No caso de São Conrado, o objetivo era melhorar o sistema de esgotamento sanitário num prazo de três anos, com reforma da estação elevatória instalada na Avenida Aquarela do Brasil e implantação de 615 metros de coletores que passariam pelo costão da Avenida Niemeyer, num investimento de R$ 30 milhões.




O destino final do material seria o emissário submarino de Ipanema.  Poluição permanente.



 No ano passado, 67% dos boletins de balneabilidade do Inea apontaram a Praia de São Conrado como imprópria- Marcos De Paula



Seis anos depois, porém, a elevatória divide a Cedae e a Amasco. A associação de moradores do bairro diz que somente uma bomba, das cinco previstas, está funcionando. Já a companhia afirma que a operação está normal e que o sistema originalmente previsto, com cinco bombas, foi substituído por outro, com três bombas de maior capacidade.



Duas delas estão em operação e uma terceira fica de reserva, entrando em ação em caso de necessidade, para captar esgoto da Rocinha e dos prédios da região.



O presidente da Amasco, José Britz, não se contenta com a explicação e acrescenta outra queixa: — Antes de chegar à elevatória, o esgoto passa pela Unidade de Tratamento de Rio (UTR) que fica na altura da Supermarket. Mas, como o volume de resíduos que vêm da Rocinha é muito grande, principalmente em dias de chuva, a unidade não dá conta. Por isso, o esgoto chega à elevatória quase in natura.



 Ele afirma ainda que o esgoto não está chegando até o emissário de Ipanema: — A tubulação percorre uns 400 metros do Costão da Niemeyer e depois sai por um buraco, desaguando no oceano. Isso afeta a balneabilidade da Praia de São Conrado.



 A Amasco se queixa, também, das condições da elevatória: há tapumes, uma área alagada numa das laterais e pouco movimento. — Estão ocupando a calçada quase toda. Já reclamamos mas não resolveram.



E, à noite, ali vira dormitório de moradores de rua — diz Britz. A empreiteira responsável pela reforma da estação, Cesan, parou o serviço em 2016, por falta de pagamento. Britz diz que chegou a ter reuniões com representantes do grupo Meliá, gestor

A Cedae justificou a situação alegando falta de repasses do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam), mas disse que concluiria a obra utilizando recursos próprios.



 Segundo a empresa, foi o que aconteceu.  Divergências. José Britz suspeita que a elevatória da Cedae no bairro não opera normalmente - Marcos De Paula



Em 2015, para quando estava prevista a conclusão do programa Sena Limpa, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito com objetivo de apurar o andamento das obras em São Conrado. A Cedae não respondeu ao ofício.



Já o Inea encaminhou detalhes sobre as análises de balneabilidade da praia em 2016. Segundo os dados, no trecho da Praia do Pepino, 75% dos boletins consideravam o local próprio, índice que ficara em 46% em 2015. Já a Praia de São Conrado foi considerada própria em apenas 19% dos boletins, contra 3% de 2015.




 Diante da falta de respostas, principalmente da Cedae, e da continuidade do quadro de poluição, o procurador Jaime Mitropoulos despachou novos ofícios na semana passada.



 À Cedae, foram pedidas respostas sobre a conclusão da reforma da estação elevatória, do aumento de sua capacidade e da implantação do novo coletor no Costão da Niemeyer, com detalhes sobre cronogramas e justificativas para o atraso do serviço. À Rio-Águas, o MPF pede respostas sobre a galeria do Canal da Rocinha; e ao Inea, os boletins de balneabilidade de 2017.




 O Inea forneceu as informações sobre a balneabilidade do ano passado. Na Praia do Pepino, 73,6% dos registros foram próprios, e na de São Conrado, 33%. Em 2018, 81,3% dos boletins deram o Pepino como próprio, e todos indicaram que não havia condições para banho em São Conrado.




Apesar da melhora, os índices mostram o mar ainda sofre com a poluição, e, mesmo sem chuva, há presença de esgoto. Segundo Adacto Ottoni, coordenador do curso de especialização em Engenharia Sanitária e Ambiental da Uerj, esses números mostram que o sistema atual não dá segurança sanitária. — O Sena Limpa foi desenvolvido para proteger a praia. Se ela continua poluída, é porque ele não funciona perfeitamente — afirma Ottoni. 




 Tapumes incomodam. Moradores de São Conrado reclamam do estado da estação elevatória, que atrairia população de rua à noite - Marcos De Paula




 Para o especialista, algumas medidas deveriam ser tomadas para melhorar a situação. Primeiro, uma campanha de consciência ambiental nas comunidades, e, depois, interceptação dos valões de esgoto, com tubulações independentes nos principais, levando o material diretamente para a elevatória.




O mais urgente, porém, diz, é o monitoramento do Rio Bengala (que foi canalizado), no trecho após a elevatória. — Se o nível da água nessa parte do canal estiver aumentando em período seco, significa que tem esgoto, e que nem tudo está sendo bombeado.





Sobre interceptar os valões, seria mais barato e eficiente, porque hoje a Cedae gasta muita energia tendo que bombear todo o volume do canal, que é muito grande.



 E isso ainda preservaria o rio — explica o professor. A Cedae garante que a tubulação de São Conrado está toda ligada ao emissário de Ipanema e que somente em dias de chuva o volume excedente é desviado para a galeria pluvial.

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