É um retrocesso’, diz especialista sobre proposta de tarifa diferenciada para ônibus

Passageiros embarcam em ônibus na Central do Brasil: especialistas criticam proposta de diferenciar tarifas de acordo com a climatização - Paulo Nicolella 



RIO - Sugerida como “um novo caminho” pela administração do prefeito Marcelo Crivella, a diferenciação das tarifas nas linhas municipais de ônibus do Rio de Janeiro é, na verdade, uma proposta que retoma uma prática já utilizada na cidade. Especialistas, no entanto, criticam a medida defendida agora pela administração municipal. A tarifa única para veículos com e sem climatização foi adotada em 2013.


No dia 28 de maio daquele ano, o ex-prefeito Eduardo Paes publicou o decreto de número 37.214, estabelecendo a tarifa única (de R$ 2,95) tanto para coletivos sem ar-condicionado, como para os coletivos sem climatização. A frota do município, segundo a Secretaria municipal de Transportes, é de 7.335 ônibus. O total de coletivos climatizados corresponde a 58,7% (4.312 veículos).

Antes, em junho de 1993, o município também chegou a adotar o preço único para acabar com a diferenciação na tarifa que havia entre os itinerários realizados pelas linhas. Na época, sete preços diferentes eram cobrados nos coletivos, de acordo com a distância percorrida, afirma o próprio ex-prefeito Cesar Maia. Entre os anos 1995 e 1996, porém, a inclusão de veículos com ar-condicionado provocou uma diferenciação nas tarifas devido à climatização, diz a Secretaria municipal de Transportes do Rio.

Para o presidente da Comissão de Trânsito da OAB-RJ, Armando de Souza, a diferenciação na tarifa seria um retrocesso ao direito conquistado pelo passageiro:


— É um retrocesso ao direito conquistado pelo passageiro-consumidor. Além disso, essa proposta da prefeitura do Rio contraria o próprio código de trânsito brasileiro, que tem como objetivo um trânsito seguro e confortável. Eu não vejo que as condições de trabalho do motorista, diante do calor que se tem no Rio, garantam a segurança no serviço.


Sou da opinião de que todos os ônibus devem se refrigerados por causa da natureza climática da cidade. Não é razoável de se imaginar que nos dias de hoje tenha ainda ônibus com ar-condicionado. E mais ainda: que se faça distinção entre as que serão transportadas de forma confortável e as que não serão transportadas de forma confortável. O prefeito, ao sugerir essa modificação, contraria direitos conquistados e demonstra um preconceito em relação às pessoas que não têm condição de pagar mais caro para circular num ônibus com ar-condicionado. É um retrocesso.

Já o professor de Engenharia de Transporte da PUC-Rio José Eugênio Leal acredita que a tarifa diferenciada possa despertar o interesse dos empresários do setor em cumprirem a meta, “desde que a diferença valha o investimento”, ressalta. Apesar disso, Leal critica a sugestão do governo municipal que, para ele, deixará o passageiro mais confuso:

— É bem confuso. Na mesma linha você vai pagar preço diferente porque há ônibus com e sem ar-condicionado. Ideal seria uma tarifa única que equilibre o conjunto de ônibus com e sem climatização, lembrando que as empresas deveriam ter climatizado toda a frota para a Olimpíada. Para o usuário, fica mais claro (a tarifa única) do que pagar tarifas diferentes na mesma linha.


José Eugênio Leal acredita que o controle do poder público quanto aos gastos do setor também ficará ainda mais difícil.

— O poder público já não tem controle do que é arrecadado e quanto custa o passageiro. As empresas têm. O poder público tem que ter controle da arrecadação total. (A tarifa diferente) vai complicar um pouco mais. Vai ter que diferenciar quem usou qual ônibus — opina o professor.

O decreto municipal de 2013 não foi a primeira iniciativa da prefeitura do Rio para ter um preço único praticado nas linhas municipais. Em junho de 1993, as linhas municipais adotaram o mesmo preço (CR$ 12 mil, na época). A medida, segundo o ex-prefeito Cesar Maia, começou ainda no fim da gestão Marcelo Alencar:

— Foi unificada a partir de dezembro de 1992 quando fui eleito e Marcelo Alencar pediu que eu iniciasse a unificação. Mês a mês foi sendo unificada. Em junho de 1993 estavam unificadas. Eram sete tarifas diferentes e passou a ser uma — diz o ex-prefeito Cesar Maia.

EMPRESAS CRITICAM PROPOSTA

Nesta segunda-feira, em entrevista ao “RJTV”, da TV Globo, o secretário municipal de Casa Civil, Paulo Messina, defendeu a diferenciação na tarifa como uma forma de forçar a climatização:

— Se aumentar a tarifa sem fazer a força para a climatização, eles vão receber a tarifa maior e não vão climatizar. Foi o que aconteceu no passado. Essa é a certeza. A gente não quer ir por esse caminho. É um caminho novo que o prefeito Marcelo Crivella quer criar: olha, vocês querem aumentar, então vão ter que climatizar.

Já o promotor da 2° Promotoria de Tutela Coletiva do Direito do Consumidor, Rodrigo Terra, criticou, em nota, a proposta de diferenciar a cobrança. “A tarifa diferenciada não resolve o problema central da situação dos ônibus do Rio, que já dura mais de duas décadas”, disse. Rodrigo Terra afirmou, também, que a frota deveria ter sido climatizada com a antecipação da receita referente ao acréscimo de R$ 0,20 na tarifa, ocorrido em janeiro de 2015.

Em nota, o Rio Ônibus, sindicato que representa as empresas do setor, classificou como “retrocesso” a proposta do município:

“A medida ignora o contrato de concessão e todos os estudos técnicos elaborados pelas empresas de auditoria para adoção de uma polícia tarifária que possa manter o sistema equilibrado do ponto de vista econômico-financeiro”, diz trecho da nota.

PROPOSTA 'DESCARACTERIZA O BILHETE ÚNICO', DIZ RIO ÔNIBUS

O sindicato que representa as empresas de transporte afirma, ainda, que a decisão de unificar as tarifas, em 2013, ocorreu para garantir a política tarifária a todos os usuários do Bilhete Único Carioca: “Vale lembrar que a proposta da prefeitura, que não foi apresentada oficialmente ao Rio Ônibus, descaracteriza o próprio Bilhete Único Carioca, que permite duas viagens em linhas municipais com o pagamento de apenas uma passagem. O próprio poder público decidiu, em 2013, unificar o valor das passagens de ônibus com e sem ar (decreto 37.214/2013) como forma de estender a política tarifária do BUC para todos os passageiros”.

O Bilhete Único Carioca é um benefício que permite aos portadores do cartão usarem dois ônibus de linhas municipais, em um intervalo máximo de duas horas e meia, pagando apenas uma passagem. No entendimento do Rio Ônibus, o sistema não entenderia as diferentes passagens e, assim, não teria o efeito caso o usuário pegue um ônibus climatizado e outro não.

O sindicato ligado aos empresários também afirma que a medida ainda pode ter “consequências segregadoras, prejudicando a população com menor renda”. “A tarifa diferenciada pode agravar a situação financeira de empresas que estão sendo mais impactadas pela crise econômica, que terão ainda mais dificuldade para a renovação da frota, atrasando o processo de climatização. O setor de ônibus reafirma que é favorável à climatização da frota, desde que a Prefeitura seja capaz de estabelecer uma meta transparente e factível para a aquisição de novos ônibus com ar-condicionado”, acrescenta o Rio Ônibus.

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