Brasil e União Europeia divergem sobre pauta principal da Cop25
Incêndios em Alter do Chão foram causados por grileiros, segundo a PF (NurPhoto/Getty Images)
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defenderam o diálogo entre governo e ambientalistas para solucionar conflitos. Eles participaram de um debate com diversas ONGs durante a Cop25, conferência do clima da ONU, que acontece nesta semana em Madri, na Espanha. O evento contou com as presenças de Marina Silva e Izabella Teixeira, ex-ministras do Meio Ambiente dos governos petistas, e de Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, ONG que teve integrantes acusados de iniciar incêndios florestaisna região de Alter do Chão, no Pará.
Salles discursou após ouvir críticas da ativista Karina Penna, da ONG Engajamundo, formada por lideranças jovens. Com um discurso semelhante ao da ativista sueca Greta Thunberg, Penna pediu responsabilidade ambiental ao governo diante da perspectiva de comprometer o futuro da juventude. “Vocês acham que, quando ficarmos mais velhos, isso vai passar?”, questionou a ativista.
Logo no início do seu discurso, o ministro concordou com um pedido feito por Scannavino. “Como bem colocado, temos de encontrar pontos de convergência”, disse. Em seguida, Salles voltou a afirmar que é preciso desenvolver economicamente a Amazônia. Ele chamou atenção para o paradoxo de se ter a região mais rica do mundo, em alusão aos recursos naturais da floresta, com o pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do país. E cobrou dos países ricos uma solução para o impasse da monetização dos serviços florestais, por meio do mercado de carbono, que é a principal pauta de negociação do Brasil na Cop25.
Veja também
O ministro, no entanto, não ficou até o final do debate. Antes de deixar o evento, Salles disse a Exame que a bioeconomia é um caminho para proteger e, ao mesmo tempo, desenvolver a Amazônia. Porém, ressaltou que a melhor maneira de manter a floresta em pé é monetizá-la.
APRESENTADO POR OI SOLUÇÕESOi apresenta novo posicionamento ao mercado corporativo
Antes do discurso de Alcolumbre, Marina Silva e Izabella Teixeira fizeram duras críticas às políticas ambientais do governo. “Temos um ministro antiambiente”, disse Silva. Teixeira classificou como uma tentativa de “barganhar” a atuação de Salles à frente da delegação do país no evento, em referência à opinião do ministro de que os países ricos devem pagar para os países pobres conservarem suas coberturas florestais.
Em tom apaziguador, Alcolumbre afirmou que o Senado “não vai permitir retrocessos” na política ambiental. Disse estar trabalhando junto com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, para barrar pautas que possam colocar em risco a humanidade e o meio ambiente.
APRESENTADO POR EMBRACONMercado de consórcios aquece e inova em possibilidades
O presidente do Senado também defendeu que o Brasil busque compensações pelos serviços ambientais. “Temos de jogar o jogo da verdade. No meu Estado, o Amapá, 73% ou é área indígena, ou é área protegida”, afirmou Alcolumbre a Exame. “Eles (os países desenvolvidos) dizem que há um mercado potencial de carbono de 100 bilhões de dólares. O que vai ficar para o Brasil disso?”
A pedido de Scannavino, Alcolumbre gravou um vídeo garantindo rigor nas investigações sobre o caso dos brigadistas da Saúde e Alegria acusados de incendiar a floresta. Eles foram presos em função de um inquérito da Polícia Civil, mas uma outra investigação, conduzida pela Polícia Federal, aponta que o fogo foi causado por grileiros. O delegado responsável pelo caso foi substituído a pedido do governador do Pará, Helder Barbalho.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, quer monetizar os recursos naturais brasileiros (Adriano Machado/Reuters)
O artigo 6 do Acordo de Paris é um dos pilares do documento. Ele trata da possibilidade de comercializar as reduções de emissões, por meio dos chamados créditos de carbono. Eles são obtidos, por exemplo, quando um país supera suas metas de reflorestamento, ou quando uma empresa adota iniciativas para cortar as emissões, como investir em energias limpas. Para poder funcionar, no entanto, esse mercado precisa ser regulado.
Essa é a pauta principal do Brasil na Cop25, conferência do Clima da ONU que acontece em Madri, nesta semana. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente e chefe da delegação brasileira, não esconde sua missão de “monetizar os recursos naturais brasileiros”. Para ele, os países ricos, que já devastaram boa parte de suas florestas, devem pagar aos países em desenvolvimento para que preservem suas coberturas florestais.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, também presente à Cop, vai na mesma linha. “Eles (os países ricos) dizem que há um mercado potencial de 100 bilhões de dólares em crédito de carbono. Quanto vai ficar para o Brasil disso?”, afirmou Alcolumbre a Exame.
Definir as regras para a comercialização dos créditos de carbono não é simples. O principal ponto de divergência está no que fazer com o passado. Países em desenvolvimento, especialmente o Brasil, defendem que créditos gerados por esforços anteriores à regulamentação sejam válidos. Já os países desenvolvidos, em especial os da União Europeia, são contra. Eles alegam que boa parte desses créditos não se refere a esforços legítimos de redução de emissões. Há, ainda, a possibilidade de que um país receba duas vezes pelo mesmo esforço, em virtude da dificuldade de aferir os resultados anteriores.
A verdade é que há uma enorme diferença no tamanho das áreas preservadas na Europa e nos países em desenvolvimento. Mesmo com todo o desmatamento recente, o que resta das florestas brasileiras, que somam mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, equivale a uma área maior do que a da União Europeia. A preocupação dos europeus é que, se o Brasil puder carregar todo esse potencial, eles terão uma enorme conta para pagar em créditos de carbono.
Por outro lado, o Brasil é o país que mais perdeu florestas entre 2010 e 2015, último dado disponível, de acordo com levantamento feito pela ONU. No mesmo período, países como o Reino Unido, a Austrália e até os Estados Unidos recuperaram parte de suas coberturas verdes.
As negociações entraram na reta final nesta segunda-feira, data que marcou o início da segunda semana da Cop25. A chegada de ministros de diversos países deve acelerar as tratativas. Salles, por sua vez, está em Madri desde o início da conferência – algo inusitado, pois, costumeiramente, é o corpo diplomático dos países que conduz as primeiras rodadas de conversas. Segundo o ministério, ele vem conversando com emissários e autoridades das nações signatárias do acordo desde o primeiro dia.
O vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Frans Timmermans, no entanto, diz que não teve a oportunidade de falar com o ministro brasileiro. “Aguardo ansiosamente por isso”, afirmou Timmermans, que está à frente de um ambicioso projeto ambiental europeu, o European Green Deal, a ser revelado no próximo ano. De qualquer maneira, ele não vê motivos que impeçam o Brasil e a União Europeia de chegarem a um entendimento. “Será uma surpresa (não haver entendimento). Agora, devemos andar para frente com o Acordo de Paris, não para trás”, salientou o dirigente holandês.
Questionado sobre a divergência em relação ao tamanho das florestas, Timmermans considerou plausível a ideia de que a Europa deva acelerar as ações de reflorestamento. Do lado brasileiro, o discurso é de que essas diferenças são apenas detalhes técnicos ou de simples nomenclatura. Mas, está claro que um fracasso nessa negociação comprometerá a meta do país na Cop25